A maior parte do que se sabe da vida e dos ensinamentos de Wycliffe chegaram até nós através de seus seguidores, conhecidos como Lolardos. Estes se tornaram uma séria ameaça à igreja institucionalizada. Seguindo os ensinamentos de Wycliffe, eles criam que o cristianismo deveria ser fiel às Escrituras e que toda pessoa deveria ter acesso à Bíblia Sagrada, interpretando-a por si mesmo, isto numa época em que a igreja reclamava ter o direito exclusivo da autoridade bíblica, e a sociedade tinha de obedecer ao que a igreja decidia. Foram os lolardos que fixaram as teses de Wycliffe na catedral de Westminster em 1395 conhecidas como a “quinta conclusão” criticando o uso da água, do sal e dos incensos na missa.
Wycliffe pregava a separação entre a igreja e o Estado ensinando que o clero deveria viver separadamente da sociedade civil, não se intrometendo nos assuntos do governo, concentrando suas energias apenas nos valores espirituais, pois estavam tão ocupados com as atividades governamentais que haviam se esquecido de suas obrigações espirituais. Seus seguidores, os lolardos exigiam que o clero vivesse de prebendas e que tirasse seu sustento de seu próprio trabalho e não do trabalho dos demais. Essas e outras questões levaram os lolardos a influenciar substancialmente a Inglaterra nos cinqüenta anos seguintes após a morte de Wycliffe.
Os ensinamentos de Wycliffe e dos lolardos foram condenados pela igreja em 1384, o que não inibiu o crescimento do grupo até 1431. Eles exigiam uma volta da igreja à verdadeira fé, à simplicidade e a autonomia da igreja.
A predestinação e o senhorio de Cristo foram os dois temas fortes pregados por Wycliffe e mantidos pelos lolardos, estes, inclusive, divulgavam a idéia de que os mosteiros deveriam ser fechados e o clero eliminado para que a igreja voltasse aos princípios do Novo Testamento. Os ensinamentos de Wycliffe tiveram o suporte teológico de Westminster ganhando apoio popular, especialmente o tema da predestinação, pois era um período em que a igreja de Roma dava excessiva ênfase à salvação pelas obras de caridade. O clero se empenhava a que as pessoas encontrassem a graça através dos sacramentos, da eucaristia e da confissão auricular a fim de serem salvas. A pregação de que somente os predestinados seriam salvos batia fortemente contra a crença de que a salvação era conseguida pelas boas-obras. Já no século XV os lolardos passaram a agir separadamente da igreja preparando o terreno para a reforma Protestante.
Wycliffe também pregava contra a doutrina da transubstanciação, a crença católico-romana de que na eucaristia pão e vinho se transformam literalmente no corpo de Cristo, e este seu posicionamento doutrinário levou-o a perder bastante apoio ao redor de 1382, especialmente das classes abastadas. A igreja da Inglaterra até que suportava as críticas de Wycliffe e de seus seguidores ao seu estilo de vida, mas não aceitava a negação da doutrina da transubstanciação, doutrina da igreja instituída no ano 850 no concílio de Paiva, juntamente com a decisão de que o rosário e a coroa da virgem Maria são também eficazes na salvação do homem.
Os lolardos ensinavam que o sacerdote deveria ser “verdadeiramente” um sacerdote, e defendiam o ensinamento de que qualquer pessoa piedosa tinha autoridade para dar a ceia sem o necessário apoio da igreja romana. Eles enfatizavam a autoridade exclusiva das Escrituras sobre bispos e padres, pregavam pobreza apostólica e a taxação das propriedades religiosas. Fundamentalmente criam que a igreja católica era corrupta, e saíram em busca da verdadeira igreja. Decididamente contribuíram para espalhar a Bíblia na linguagem do povo.
Para a igreja romana, os lolardos ficaram ainda mais perigosos quando receberam apoio da realeza que também foi atraída pela doutrina que ensinavam. Receberam apoio de Sir Thomas Latimer, e de Sir John Montague que adotaram os ensinamentos de Wycliffe como parte de sua política de governo. Entre 1384 e 1396 escritos lolardicos conhecidos como Florentum circularam livremente na Inglaterra, bem como traduções da Bíblia, e isto só se tornou possível graças a generosas ofertas dos nobres ingleses.
A igreja romana começou a fazer pressão sobre o governo da Inglaterra porque os leigos começaram a ler a Bíblia popularizando as idéias de Wycliffe, daí o expurgo ocorrido na universidade de Oxford em 1382. A perseguição aos lolardos aumentou significativamente e a igreja passou a declarar como herética a maioria dos ensinamentos de Wycliffe. Com o expurgo feito na universidade os lolardos se espalharam por toda parte pregando o evangelho de Jesus Cristo.
Dois arcebispos de Canterbury, Courtenay e Thomas Arundel ficaram conhecidos como os maiores perseguidores dos lolardos, caçando-os por toda a Inglaterra, especialmente empenhados na caça aos pregadores leigos. Um dos grandes pregadores daquele tempo perseguido pelos bispos foi Swinderby, citado por McFarlane “como um dos maiores evangelistas lolardos”.
Swinderby traduziu para a linguagem popular os ensinamentos de Wycliffe e percorreu vilas e cidades, como pregador leigo, celebrando missas e cerimônias, mesmo tendo contra ele um mandato de prisão expedido em 1388. Depois de ser julgado em Bodenham, Swinderby saiu de circulação e retirou-se para seu esconderijo, protegido pelos escoceses que viviam nas montanhas. Foi ele quem levou à conversão um nobre inglês, John Oldcastle, sobre quem leremos mais adiante (Alguns historiadores, como Fox especulam que Swinderby foi queimado como herege sob o governo de Henry IV, mas outro historiador, Mcfarlane não confirma este acontecimento – In The Morning Star, p 61). Vilas e cidades passaram a aderir aos ensinamentos dos lolardos, mas Courtenay e Arundel os perseguiam por toda parte. Um dos exemplos foi em Leicester onde a obra continuou a florescer mesmo depois da partida de Swinderby. O bispo Courtenay esteve na cidade em 1389 e os lolardos tiveram que fugir, especialmente depois que oito deles foram excomungados pelo bispo. E excomunhão significava desterro, perseguição e morte. Significava não ter onde comprar alimentos nem mesmo onde dormir.
A ordem dos dominicanos – agora totalmente desviada de seu propósito original – posicionou-se contra os lolardos e pressionou o Papa Bonifácio IX a escrever ao rei Ricardo expressando sua preocupação dos perigos que os lolardos representavam. Os seguidores de Wycliffe que ainda estavam na universidade de Oxford foram presos e logo depois foi expedido um estatuto, conhecido como De Herético Comburendo condenando severamente os lolardos. O documento de 1401 apresentava uma estratégia de como combater a heresia na Inglaterra.
Convém lembrar que nesta época a igreja da Inglaterra não se submetia totalmente ao Papa e até desconhecia a inquisição papal, em que as pessoas consideradas heréticas eram torturadas em aparelhagens inventadas para levar ao suplício e à confissão, no qual os dominicamos eram especializados. Os dominicanos perseguiam os lolardos e os hereges por toda a Europa, especialmente na França e na Itália, diferentemente dos franciscanos que indiretamente apoiavam o movimento dos lolardos. As penas na Inglaterra eram mais brandas que em outras partes da Europa.
Quando algum material de Wycliffe era encontrado, os acusados eram interrogados e levados a renunciar aos ensinamentos. Caso recusassem eram aprisionados em cadeias civis ou nos porões das igrejas, e em casos extremos eram queimados na fogueira.
Em 1384 as autoridades expediram ordens de prender os seguidores de Wycliffe, e a partir de 1401 quem possuísse escritos dele deveria ser preso e o material confiscado. Os que recusavam eram mortos em estacas na fogueira. A partir desta época os lolardos passaram a agir na clandestinidade.
O bispo Arundel era incansável na perseguição aos lolardos e conseguiu o apoio do novo rei Henry de Lancaster quando este subiu ao poder em 1399. O novo rei não temia apenas o bispo, mas também os lolardos com sua pregação de reforma social e política. Sempre que o evangelho é pregado de maneira íntegra, vai de encontro a qualquer opressão social, e os lolardos combatiam severamente a burguesia católica.
Para remediar a questão, o rei Henry de Lancaster e o parlamento inglês trataram de legislar sobre a questão em 1400. O ato falava a respeito do perigo que os lolardos representavam para a estabilidade social e estabeleceu uma série de medidas para remediar a questão. Todos os leigos tiveram sua licença de pregadores canceladas, e “ninguém devia pregar, ensinar ou instruir aberta ou privativamente, imprimir ou escrever livros contrários à fé católica ou falar contra qualquer determinação da Santa Igreja.
Os lolardos foram proibidos de tentar convencer (fazer convertidos) e de lecionar nas escolas”. (In The progress of Lollardy, G.H.W.Parker, The Morning Star, p 63). A publicação desta lei colocava sob suspeita todos os seguidores de Wycliffe, pois mandatos posteriores exigiam que todos os que possuíssem livros considerados hereges deveriam entregá-los, e as pessoas que se recusassem a obedecer, colocadas na prisão ou julgadas pelas cortes civis. Quem se recusasse a negar os ensinamentos dos lolardos deveria ser considerado herético e queimado na fogueira. Desta maneira, os velhos métodos usados pela igreja nos países europeus para perseguir e matar passaram a ser usados também na Inglaterra, e os lolardos foram as maiores vítimas.
Com a promulgação de tais leis, os lolardos além de serem perseguidos pelas autoridades da igreja, passaram a ter em seu encalço as autoridades civis, desencadeando uma grande perseguição contra os opositores da igreja no século XV.
Os lolardos, seguidores de Wycliffe foram severamente perseguidos sob rígida inquisição dos bispos e pelo parlamento inglês. Por todo os anos do século XV – a partir de 1400 em diante – a Inglaterra foi banhada pelo sangue dos mártires, e centenas de fogueiras eram acesas para queimar os que a igreja católica considerava “hereges”.
Thomas Arundel, o bispo, os perseguiu por toda parte e o Bispo da Noruega Henry Spenser declarou morte por decapitação e fogueira a qualquer lolardo que fosse encontrado sob seu domínio religioso. Devido a tais ameaças, muitos dos seguidores de Wycliffe desistiram de suas idéias, tal a força da hierarquia católica no mundo da época. Os grilhões de Roma atacavam, prendiam e levavam à fogueira os pré-reformistas.
De 1390 a 1425 de cada dois homens que se viam caminhando pelas estradas, um deles, podia-se afirmar era lolardo. Em 1401 o Parlamento inglês declarou os Lolardos como hereges autorizando que fossem presos e queimados. O estatuto se referia aos Lolardos como uma nova seita, e os proibia de pregar o Evangelho, de manter escolas e conventos e de publicar qualquer livro. Os Lolardos deveriam ser presos e julgados nas cortes diocesanas, e caso fossem declarados culpados, deveriam ser entregues às autoridades civis para serem queimados, em lugar visível, bem alto, para que a punição servisse de exemplo a todos os que os vissem.
No ano de 1401, incansável no trabalho de erradicar os lolardos, o Bispo Thomas Arundel perseguiu e levou à morte na fogueira Willian Sawtre, capelão que se negou a abandonar os ensinamentos de Wycliffe.
Foi morto para servir de exemplo a todo religioso que não se submetesse às leis da Santa Igreja. Apesar da ameaça da igreja, outro mártir, John Baldby, um alfaiate, continuou a tarefa de seus antecessores pregando a reforma, mas foi condenado como herege e queimado na fogueira em 1410. O príncipe Filipe, amigo de Baldby pedia que este renunciasse à sua crença para não ser morto, “mas, durante o interrogatório Baldby defendeu sua fé na Escritura e em Cristo, e sua convicção e disposição de morrer por amor a Cristo causou espanto e admiração até mesmo dos que o perseguiam” (obra citada p 64).
A TODOS QUE JAMAIS SOUBERAM QUEM ERAM ESSES VALOROSOS LOLARDOS, SAIBAM QUEM DESEJA SER UM REMANESCENTE DEVE SER QUEM NEM ELES, UM LOLARDO MODERNO.
IRMÃO ANDERSON.